Seu cérebro é seu smartphone?

Sempre que uma nova tecnologia altera nossos padrões cognitivos, surge a dúvida: estamos ficando mais ou menos inteligentes?

Maurício Baltazar
Marketing Hackers

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Pode até parecer papo de gente mais velha, mas você se lembra da última vez que teve que abrir um mapa para ir para qualquer lugar? Digo um mapa físico, porque certamente você deve ter aberto algum aplicativo online de GPS nos últimos tempos, não é mesmo?

É impossível pensar na vida sem aplicativos digitais em pleno 2017. Até o fim da década passada, era um pouco mais difícil estar online 24/7. Afinal, mesmo que já os notebooks já fossem populares, eles ainda não eram exatamente práticos para usarmos, por exemplo, no meio do supermercado para conferir se um creme se adequa ao seu low poo — verídico hoje, mas provavelmente ainda não era moda, né?

Esse cenário mudou com os smartphones. Agora, estamos conectados a todo momento.

Pode até ser que você fique sem internet uma vez ou outra, mas nem se compara com a vivência de antigamente. Qualquer informação está a um clique de distância, e essa acessibilidade está mudando diretamente a forma como pensamos, nos divertimos e criamos memórias.

Apesar dos efeitos negativos que você com certeza já ouviu falar, que afetam a nossa saúde, e comportamento, criatividade e inteligência — sim, isso tudo — nós recebemos a tecnologia de braços abertos e usamos ela com uma frequência exponencialmente maior!

Se isso já traz impacto para a nossa geração, imagina para a mais nova que está crescendo em meio a esse mundo digital?

E essas mudanças não se dão somente por influências, mas sim porque faz parte do nosso cotidiano. Sem perceber, nos tornamos viciados em nossos smartphones.

O que de fato os smartphones fazem com nosso cérebro?

Para você ter ideia, já existem pesquisadores da Síndrome da Vibração Fantasma, como o professor Robert Rosenberg, do Georgia Institute of Technology.

Essa síndrome estuda como sentimos as vibrações dos nossos celulares, mesmo que eles não estejam em nossos bolsos!

Estranho, não?

Isso nos mostra como condicionamos nosso cérebro a perceber tais aparelhos como extensões do nosso próprio corpo.

Vai dizer que nunca teve essa mesma sensação e descobriu que o seu celular não estava te encarando em cima da mesa?

Inconscientemente, nosso cérebro se acostuma a receber as notificações, por isso fica procurando receber elas, e acaba identificando sinais falsos, quase como as pessoas que perdem procuram os seus óculos com eles no rosto, sabe?

Parece bem irrelevante de cara, mas isso deixa explícita a relação de dependência com os mobiles, que ultrapassa o campo sensorial e interfere diretamente aspectos da nossa mente.

Memória

Em uma relação com a memória, os aparelhos alcançam a posição de complementos do nosso cérebro. Nos celulares, podemos armazenar todo tipo de coisa, desde pequenas bobagens, até instruções importantes. Podemos também procurar tudo aquilo que precisamos online.

Tudo bem, nossa memória é falha e muitas vezes falsa, mas nessa relação de dependência, deixamos de utilizar as funções do nosso próprio cérebro.

Retomando o exemplo do GPS, dificilmente gravamos caminhos hoje em dia: estamos sempre sendo orientados para ir para a esquerda, para a direita, retorno etc. até acabarmos em alguma contramão, para não dizer quando o aplicativo te manda dirigir para o meio do mato.

Temos também a inteligência artificial, como a querida Siri, que com uma pergunta, já nos apresenta uma solução para diversos dos nossos problemas: obrigado!

Na medida em que depositamos tanta confiança nos aparelhos e não temos que nos esforçar tanto, nossa função cerebral diminui e, consequentemente, ficamos mais suscetíveis a cair em situações estúpidas.

Em uma definição mais formal, passamos a ter uma certa perda de memória recente — menos agravada que a Dory, pelo menos — graças a uma atribuição simbiótica aos nossos smartphones.

Concentração

Esse mesmo esforço relativo a memória se conecta diretamente com a nossa concentração. Não precisamos procurar informações tão a fundo, então estamos ligados em um constante modo multitasking e, mesmo que estejamos mais ativos, nossa atenção é completamente difusa e acabamos com nossa produtividade.

Resultado: não conseguimos a profundidade necessária para absorver somente um elemento de cada vez. Desde cientistas até o mindfulness, temos diversos motivos para não escutar música, comer e estudar ao mesmo tempo, como aposto que você e eu fazemos várias vezes.

Isso afeta como pensamos e aprendemos e, em excesso, reduz nossa inteligência e criatividade, uma vez que ao não gravar as informações e não nos concentramos nelas, acabamos por diminuir nossa capacidade de desenvolver o foco.

Segundo Nicholas Carr, autor de “A geração superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros”, “se torna muito MUITO mais difícil praticar os tipos atento de pensamento — contemplativo, reflexivo, introspectivo.

Isso significa que é muito mais difícil traduzir informação em memórias ricas e altamente conectadas que, como resultado, nos torna espertos e inteligentes.”

Relacionamentos

O mesmo se aplica aos relacionamentos. Ao não se concentrar tanto, dificilmente estabelecemos uma conexão profunda com outras pessoas.

Assim, ficamos com sentimentos suprimidos que, por vezes, não são nem mesmo vivenciados com a intensidade que merecem.

E isso não é só em um date chato em que você prefere o seu celular, é numa conversa com sua mãe ou amigo que acaba ignorando sem querer.

Ansiedade

Além disso, estamos cada vez mais ansiosos, cujo efeito está na possibilidade de ficar sem conexão, como por exemplo não conseguir olhar uma notificação na hora, nem mesmo para saber se é uma mensagem importante ou só uma nova curtida no Instagram, que por sinal libera dopamina — eis a nova forma de ser feliz no mundo digital.

Podemos comparar essas situações com a mesma ansiedade que sentíamos com um telefone tocando quando acabávamos de chegar em casa.

Algumas vezes, dava para atender e não ficar com aquela curiosidade, mas o problema está no fato dessas interrupções ocorrerem o dia inteiro com as notificações no celular, não só de vez em quando.

Mesmo as desativando, vai dizer que você também não fica um pouco ansioso para saber o que está acontecendo?

Ok, por que ainda usamos esses monstros?

Até então, temos redução da memória, inteligência, criatividade, relacionamentos mais distantes e aumento na ansiedade. Wow! Por que ainda usamos esses monstros que roubaram o nosso cérebro?

Porque eles são feitos na medida para nós, e nós amamos eles. O homem é motivado pela busca de informação desde sempre, e os smartphones são a fonte mais abundante disso. É impossível ficar sem um no mundo ocidental, e o mercado já sabe disso.

Por isso, todo ano saem novos produtos melhores e com ainda mais features que vão te tornar ainda mais dependentes deles. Não é a toa que até as vovós estão dominando o WhatsApp: elas também fazem parte da geração internet, e pode ter certeza que os planos das empresas é incluir todo mundo.

Em média, passamos cerca de 5 horas do dia nos aparelhos, distribuídos em 85 sessões diferentes. Entretanto, o ideal seria passar apenas 2 horas no celular e 4 horas no computador para uma vida mais equilibrada e sem os efeitos negativos. Dificilmente vamos respeitar isso.

Já estamos imersos na cultura digital: o trabalho migra cada vez mais para a frente da telas e não há nem a possibilidade de não pertencer a esse modus operandi, considerando que a maior parte das pessoas que quer se livrar disso, se reencontrar e etc., larga tudo para viajar e passa apenas um ano sabático fora, 100% registrado no Instagram.

Ou seja, temos consequência horríveis para nossas habilidade cognitivas e sociais, mal-estar, e tudo isso em um ambiente hostil, onde estamos suscetíveis a assédio e abuso sem saber quem é o agressor, além da dependência visceral — pais já estão colocando seus filhos em reabilitações para social media, por exemplo. Resumindo, parece o fim do mundo.

Porém, todo esse buzz não deve ser visto somente com uma perspectiva negativa, não é tão simples assim definir um fenômeno tão impactante como bom ou mau.

Calma, tem mais de um lado positivo até!

Desde 370 a.C, Sócrates já falava como a mudança da oratória para a escrita nas aulas tornaria os jovens estúpidos, já que eles não iriam mais precisar usar a memória da mesma forma como antes.

A história se repete mais de 2000 anos depois, com a mudanças de hábitos causados pela televisão e, principalmente, pelos videogames. Pelo tratamento como se deu a situação, você poderia esperar um mini-assassino infanto-juvenil de um jogador de counter-strike.

Com a geração atual e a descrição pessimista dos efeitos que você leu agora a pouco, dá para esperar uma horda de zumbis antissociais apáticos com falta de vitamina D porque estão muito concentrados em seus celulares. Nós sabemos que não é bem assim.

Segundo algumas pesquisas, os videogames, inclusive, auxiliam no tempo de resposta e de tomada de decisões, já que eles estão constantemente esperando reações dos jogadores.

As funcionalidades dos smartphones permitem estar imerso em um novo mundo digital, que exige uma nova forma de atenção mais difusa e cria relações que talvez sejam um pouco mais distantes, mas isso apresenta também uma nova habilidade de gerenciar diversas ações ao mesmo tempo — olá novamente, multitasking — , e uma possibilidade de um networking ainda mais extenso.

“Não temos wi-fi, conversem entre si”

Esse cartaz parece até meio patético depois de tanta piadinha no Twitter, mas faz sentido.

Isso não é só no bar.

É só ir em algum aniversário do seu sobrinho com menos de 16 anos, que você vai ver que um tanto bom de indivíduos o tempo todo com seus celulares na mão, muitas vezes sem qualquer interação com o seu redor, ou então no maior estilo isso é muito Black Mirror, registrando tudo para as redes sociais.

Entretanto, essa “antissocialidade” não quer dizer que viramos incapazes de desenvolver relacionamentos. De fato, as redes sociais dão mais oportunidades para conversar o tempo todo somente com quem você quer.

Apesar da discussão de como os algoritmos estão nos fazendo viver em uma bolha, é uma chance incrível de poder conviver com outras pessoas semelhantes. Ou seja, com um smartphone na mão, você nunca está sozinho.

Para grupos minoritários então, nem precisamos dizer o quanto as redes sociais são maravilhosas. Só assim é possível criar um espaço de discussão e reafirmar sua existência em questão. Mais que isso, é uma forma de poder pertencer a um grupo que realmente tenha a ver com a sua identidade.

Todo mundo que viveu antes da era digital passou por essa situação clássica com seus pais: “vai lá conversar com fulano, ele tem a sua idade”. Às vezes você ficava tímido, às vezes até que não tanto, e poderia até conhecer um novo amigo, mas certamente com as redes sociais, o esforço para criar laços pessoais é menor. Afinal, você pode passar o dia todo conversando como seu melhor amigo pelo WhatsApp.

E isso não tem tanto problema quanto parece. Por mais que as pessoas não queiram conversar na mesma proporção com as outras ao seu redor, isso não significa que teremos uma geração que interage somente consigo mesma, porque pesquisas já apontam que nos encontramos mais com quem conversamos online.

Faz sentido: você também deve mandar mais mensagens para os seus amigos íntimos com quem encontra quase todo final de semana do que com o pessoal do churrasco do terceirão. Além disso, dificilmente preferirá ficar no celular do que sair com seus amigos verdadeiros — ok, talvez Netflix, convenhamos.

Em suma, podemos ver lados negativos, os mais explorados por alguns cientistas e pela mídia em geral, mas também há muitos positivos:

  • Gerenciar ações simultâneas.
  • Aumentar o social network.
  • Conseguir resolver problemas facilmente — é só jogar no Google ou qualquer ferramenta de busca (amém, conteúdo).

Não há um lado necessariamente bom ou ruim, quem dera se a vida fosse tão simples assim.

Provavelmente, o meu, o seu e o cérebro de boa parte da nossa civilização têm uma relação bem íntima com nossos smartphones.

A questão é que tais tecnologias permitem ter maior escolha nas nossas decisões. Diariamente, escolhemos o que fazer, o que consumir, com quem conversar… Só precisamos se preocupar de estar se fechando demais em nosso Android ou iOS.

Ao invés de fingir estar ocupadíssimo com o seu celular relendo mensagens antigas, talvez seja hora de prestar mais atenção no seu ambiente.

Definitivamente, não se trata de se desconectar, isso é impossível, a menos que o apocalipse zumbi comece neste exato momento — e mesmo assim ainda iríamos acompanhar tudo enquanto desse, até a internet realmente cair.

E não, o fim do mundo, da nossa inteligência, criatividade a sociabilidade humana não está acabando com os smartphones, apenas se transformando em um novo modelo. Sobrevivemos à escrita, impressão, telefone, rádio, televisão. Então, pode crer, vamos sobreviver, ou melhor, nos adaptar.

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Publicitário em formação, do time de Suporte ao Cliente da Rock Content. Pisciano caricato, ama divas pop (respira por Britney Spears), moda e filmes de terror.